quinta-feira, 10 de março de 2011

Balada Estudantil

             Simone e Fernando dois estudantes universitário que escolheram a árdua carreira licenciada. Davam duro na universidade, tiravam boas notas, participavam de projetos, congressos, de manifestações e campanhas de conscientização política-cidadã.  Os esforços acadêmicos provavam a seus pais os bons investimentos.
         Os dois estavam no beco da rua de trás da universidade fumando um baseado do bom e admirando a lua cheia da noite amena, todas as quartas-feiras se encontravam ali no intervalo da aula. A próxima aula seria uma exposição de leitura-teórica compartilhada, de uma apostila de prática de ensino que estava sendo revista já fazia três meses, atitude bem desmotivante aos jovens estudantes.
         No demoraram muito no beco porque a ilegalidade mesmo que exalasse a adrenalina, também gerava um pouco de perturbação. De olhares brilhantes, caminharam saltitantes com as mãos dadas rindo a toa. No meio da rua, Fernando tirou da sua mochila um papel e uma caneta, e disse a Simone:
         - Me ajuda a fazer uma lista de músicas, quero elaborar um cd.                                                            
         - Sei lá, pra que você quer o cd? – perguntou Simone.
         - Ah, nada de mais, é só um cd – respondeu.
         Mesmo cismada Simone começou a falar várias músicas, ele ia anotando no papel, eles cantarolavam e riam.
         Fernando era um rapaz simpático, charmoso, se achava muito esperto, mas era um patético mentiroso. A morena e desencanada Simone sabia das suas mentiras, sacava suas caretas falseadas, mas preferia não fazer comentários. Entrava no jogo de imagens e palavras de Fernando. Mesmo da companhia que um fazia ao outro, ela entendia que só era mais uma garota para Fernando, o que era indiferente, porque ele também só era mais um rapaz que seguia Simone nas suas curtições.
         Simone ficou desconfiada do motivo do cd, a curiosidade aguçou:
         - Larga mão disso agora, depois te passo as músicas.
         - Não, você é muito enrolada, preciso fazer esse cd logo – retrucou Fernando.
         - Mas precisa pra quê? – perguntou Simone imediatamente.
         Fernando ficou encabulado, deu uma gaguejada, não sabia o que dizer.
         - Hum... É que, que vou dar de presente – sem querer falou.
         - Ah! Já sei pra quem você vai dar esse cd, tããão elaborado, é pra Larissa – arriscou Simone.
         - Para de ser boba Simone, eu não tenho nada com a Larissa, ela é só minha amiga, você está com ciúmes, hein – debochou Fernando.
         Fernando vivia falando de Larissa, Simone não a conhecia, mas já percebera que o rapaz era apaixonado pela moça e achava ridícula essa negação de sentimento. Simone propôs a Fernando:
         - Vamos lá na sua casa e eu te ajudo a fazer esse cd, pra você dar a sua namoradinha.
         - Já te disse que não tenho namorada – disse Fernando imediatamente – Mas... lá na minha casa...
         Continuaram a andar. No fundo, Simone tinha ficado furiosa com essa história. “Que cara sacana, pedindo pra eu elaborar cdezinho pra presentear a mina dele”, pensava em passos apressados, mas preferiu não dizer nada.
         - Tenho que te fala uma coisa antes de chegar em casa – disse Fernando timidamente – A Larissa está lá!
         Simone caiu na gargalhada, não acreditou em Fernando:
         - Duvido!
         E continuou:
         - Agora quero conhecê-la, você fala que sou uma amiga, ela não vai ligar né?
         - Não sei – ele respondeu.
         Inquietos, os dois seguiram até a casa de Fernando. Ela se movimentava com o desejo de saber até onde a situação poderia chegar. Ele perturbado em silêncio.
         Chegando, Simone deparou com a casa lotada de pessoas que nunca tinham visto por lá antes, tinha uma tia de Fernando que não parava de falar, amigos na varanda e até amigas da Larissa empoleiradas num quarto da casa. Sentada sozinha no sofá da sala, Simone avistou uma moça linda, mas com o olhar profundamente triste e as olheiras marcadas, mirando um vazio, como se estivesse esperando Fernando chegar, logo percebeu que era a Larissa. Quando Fernando colocou as duas moças frente a frente Simone paralisou, Larissa abriu um simpático sorriso e a abraçou fortemente. Simone encontrava em grandes constrangimentos enquanto Larissa tinha ficado muito feliz em conhecê-la, e não conseguia compreender aquele sorriso sincero e contente, era como se a bela estivesse esperando por ela e não por Fernando. As outras pessoas que estavam na casa observavam Simone com ar de condenação e desdenho. Fernando não falou nada, apenas calou-se com toda a situação.
         Simone só queria sair do ambiente onde ela mesma se meteu. Despediu das pessoas, poucos lhe retribuíram a saudação. Caminhou para casa pensando:
         - Eu sabia que Fernando era idiota, mas num sabia que era tanto. Que menina linda que ele namora e simpática. Estou me sentindo tão mal... Por que será que ele queria que eu falasse as músicas do cd? Que patético! Ai, como sou patética!
         Tempos depois, Simone veio saber por um amigo em comum com Fernando, que Fernando prestava atenção em tudo que ela falava, nas músicas, nos livros, gostos culinários, lugares, pessoas, filosofias, política e principalmente nas suas aventuras e peripécias.
         As coisas que Simone, na educação e na gentileza, contava para Fernando, Fernando recontava à Larissa, de modo que, de conto em conto conseguiu conquistar a garota, com a vida de Simone. O rapaz que tinha de hábito as mentiras, tangenciava Simone em Larissa, e da Larissa se esquecia em Simone. Contudo, Simone o assustava com suas façanhas, o afastava com sua liberdade, o causava dúvidas e questionamentos atordoantes, já a estável Larissa o trazia segurança, aquietava-se ao lado dela e levantava seu ego, era moça certa.

terça-feira, 8 de março de 2011

Resenha de Mim Mesmo

Por que eu não consigo ser eu mesmo? Por que eu tenho medo de mim mesmo? Por que eu me escondo atrás de personagens para ser quem eu não sou? Quando vou deixar de ser Dona Florinda, ou O silêncio dos inocentes, ou Mandíbula, ou Escamoso, ou tantos outros?  Isso são respostas que meu íntimo não sabe responder. Essa briga interna de meus sentimentos só vai aumentando a cada instante, a guerra surda alucidada no profundo de meus sentimentos vai me matando, a batalha muda que se constrói em cada canto do meu passado, futuro e presente, só me estilhaça na caminhada de cada dia. Tentar revelar a face de mim mesmo, tirar a máscara que maquia a cada instante, ir ao íntimo e ser fiel de quem sou eu, mesmo sem nenhum pingo de vergonha e sem dar passos em falso, é ridiculamente esquisito.

Dizer o quê, ou quem sou eu é uma tarefa perigosa e ariscada, porque quando eu descobrir o meu próprio eu, minha tarefa neste plano que existimos vai terminar, porque chegarei ao máximo de todas as coisas, entenderei a matéria, o Om mani padme hum, fumegarei e compreenderei todas as mágias encantadoras que dirigem a vida, estarei junto aos sons das trombetas divinas, e numa mistura de anjos e demônios, serei uma matilha de lobos deslizando no céu, num cometa cheio de sabedoria preste a se chocar com o grande enigma que se faz por volta de mim, ai sim descobrirei quem eu sou.

Sei dizer que sou um artista de minhas dúvidas e tento ir nas profundezas do meu íntimo no obscuro da minha alma, não para se aparecer, não para sentirem pena de mim e nem, muito menos, para ficar isolado ou ficar depressivo, mas sim para ser um pessoa melhor, deixar de ser obscuro, denso e noturno e menos sujo possível. Deixar de mentir menos, ser mais feliz com os amigos e principalmente com a minha família que eu decepciono a cada batimento cardíaco que meu peito individualista bombeia ao resto da alma. Não tenho vergonha de assumir essa face, essa maquiagem, esse papel de um artista de teatro que tropeça, esquece a fala e estraga todo espetáculo que o respeitável público que no encarte do ingresso pagou para ter qualidade, e um babaca que nem eu não pude oferecer.


Autor Anônimo 

(Esse texto é de um amigo que prefere não ser identificado.
 Agradeço a publicação no Arte Marginal.)

terça-feira, 1 de março de 2011

Bate-papo

Era um bate-papo qualquer no MSN, “oi, td bem?”, “o q tem feito de bom?”, perguntaram sobre pessoas, conversaram sobre livros, contaram acontecimentos engraçados, fizeram piadinhas da própria vida, ouviram as mesmas músicas e falaram sobre os seus planos. Na espontaneidade, ele mudou a imagem de perfil por uma fotografia dos dois juntos. Entre eles houve do acaso um romance. No entrelace a conversa foi a ressalta de aproximação, assim, se entenderam bem e sempre se divertiram muito. Mas, nunca conversaram sobre o perturbável nós, na verdade, acreditavam que nunca tivesse acontecido um nós. No entanto, quando ele trocou a imagem no MSN ela encontrou-se em sentimentos conturbados, observou os sorrisos de alegria daquele dia e sentiu saudades, na fase intensa de solidão, apenas isso a fez feliz.

Enquanto ela procurava por mudanças radicais, ele almejava a estabilidade. Por tantos motivos foram afastados, e por motivos maiores ainda, se estariam por perto, é possível que não ficassem juntos. É como se não tivesse, realmente, existido um nós, apenas eu, você, ele e ela. Nos planos de futuro próximo se envolver em um relacionamento amoroso não faziam parte dos deles. Mesmo assim, desejaram se vê e, nessa brincadeira de carências, se encontraram por uns cinco meses, fingindo que não havia nada de especial entre eles, apenas uma simples compatibilidade de gostos, de carícias e do modo de levar a vida.

As férias de fim de ano chegaram, fazia uns três meses que não se encontravam mais, por causa dos sentimentos duvidosos que a perturbava, ela preferiu fingir acreditar que o quê sentia por ele era uma bobagem, apenas um caso passageiro que já tinha ficado para trás. Nesse tempo, ele se apaixonou por uma garota e se arriscou num relacionamento sério. E pelas circunstâncias, não tinham mais notícias um do outro. Ela queria mudar de cidade e mudar de emprego. Ele queria ficar ali e juntar dinheiro.

Acabou o expediente e foi direto pra casa, ela saiu apressada para pegar o próximo ônibus  e passar as férias com a família. Chegou em cima da hora, entrou no ônibus lotado toda despenteada e suada, avistou um lugar vazio e foi sentar nos bancos de trás. Não havia percebido e, coincidentemente, sentou do lado dele. Ele estava indo a uma festa a fantasia numa cidade próxima a dela, iria encontrar com uns amigos lá. Olharam-se e riram da ironia do destino. No primeiro instante, tiveram uma conversa típica de passageiros, depois fizeram perguntas formais sobre a vida, mas logo os lábios calaram-se e começaram a beijar loucamente em abraços fraternos.

Ele com a fantasia de detetive, um perfeito Sherlock Holmes, atirava-se perdido, não sabia onde exatamente estava indo, nem ao menos tinha certeza de ter entrado no ônibus certo. Ela já mais segura do que antes, só queria ir para seu lar descansar, levá-lo junto e até protegê-lo das inconstâncias. Cada um parou no seu destino conduzido pelo motorista de ônibus.

Foi o último encontro, até agora, dos falsos enamorados. Continuaram seus caminhos como se nada de especial tivesse acontecido entre eu, você, ele e ela. Se um dia voltarem a se ver, certamente terão uma conversa com olhares brilhantes e sorrisos nos lábios.